sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

13 paradigmas quebrados



Dando sequência às leituras, escolhi o livro nacional de contos Paradigmas 4. Ele encerra uma coletânea da Tarja editorial, cuja proposta é promover textos diferentes, que rompam paradigmas, de autores brasileiros. São 13 contos no total:

Uma flor a Gambô - Richard Diegues (também é editor e organizador da obra)
Mistura magia e realidade. Tem ambientação na África, tomada pela AIDS e a luta pela cura, inclusive para quem já se foi. Lendas e seres sobrenaturais estão presentes.

O diamante laranja - Adriana Rodrigues
Um conto inspirado em J. K. Rowling e Agatha Christie. Num mundo mágico, uma moça sem poderes busca outras formas de se destacar. E para isso ela usa a mente.

A biblioteca no fim do mundo - Fábio Fernandes
A ficção científica é predominante aqui. Um futuro em que os humanos foram exterminados da Terra dominada pela tecnologia. As Inteligências Construídas (ICs) que restaram aqui, tomadas por sentimentos, tentam recriar os homens.

A mãe da Montanha das Águias - Ana Lúcia Merege
Magia e pré-história. A mensagem de que a guerra e os conflitos não compensam. Há idealização do feminino.

A última prece - Rober Pinheiro
Em momento de grande perturbação por uma grande provação, um padre, o qual já havia caído em tentação anteriormente (fraco na fé), aceita a oferta do Diabo. Faz sua vontade e um crime é cometido dentro da igreja.

Barquinhos de papel e outros origamis - Sandro Côdax
Um almirante reverenciado por sua aptidão no mar sofre um acidente, provavelmente pela insatisfação de Tristão ao ver um mortal ser chamado de deus marítimo. O homem se isola por cinquenta anos em regime de extrema reclusão e quando abre os portões da casa isolada tem uma surpresa.

A tal aranha-da-lua - Carlos Abreu
A solução de um crime em Marte. Há uma mensagem metafórica de uma aranha rara que só existia na lua e quando tentávamos levá-la dali ela virava areia.

12 vidas - Leonardo Pezzella Vieira
Uma cidade estranha em que, a cada mês do ano, todos devem pagar um preço diferente por morar ali. Privações de sentidos e até da capacidade de sorrir estão entre eles. Mas o salário pelos diversos empregos são altos e, com isso, muita gente é atraída.

O evangelho segundo eu mesmo - Roberta Nunes
O conto mais intrigante. Acabou e fiquei cheio de dúvidas. Mandei e-mail para a autora e pude ampliar minha percepção e interpretação. A ideia é a de Deus corrompido, resultante dos grandes crimes causados por um cardeal, supostamente imortal.

O jantar - M. D. Amado
O terror predomina aqui. Uma senhora, meio a Segunda Guerra, tem sede de vingança ao que aconteceu com seu marido e neto. O conto teve inspiração em A menina que roubava livros.

Você vai seguir meu caminho? - Marcelo Jacinto Ribeiro
A grande privação de quem fica aleijado. Mas os ETs viram em pessoas nessas condições uma grande oportunidade para limpar o mundo dos não dignos dele.

O caçador de Deus - Georgette Silen
Inquisição e ideia de exterminar os inimigos de Deus. Um bruxo, antes de ser enforcado, decide fazer justiça com a própria mão (no singular).

O demônio das florestas tropicais - Ronaldo Souza
Influência do folclore brasileiro, especificamente, na imagem do Curupira.
  
Foi interessante viver cada experiência dos contos, dos paradigmas se quebrando, dos autores que estão começando e já têm sua marca original. Ganhei o livro do M. D. Amado, autor de O jantar, em um sorteio na época do falecido Orkut. Nota 7.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Delírios cotidianos de uma vida marginal





A perfeita combinação de quadrinhos com o trabalho do velho safado. O quadrinista alemão Matthias Schultheiss teve inspiração em sete contos, com marcas autobiográficas, de Charles Bukowski: Dois bêbados; Kid Foguete no matadouro; Os assassinos; A puta de 135 quilos; Mamãe bunduda; Henry Beckett; N. York, 95 cents ao dia; e Um trabalho em New Orleans. O resultado foi uma obra fluida, de leitura rápida, com o humor cru típico do escritor.

Trecho de Kid Foguete no matadouro
Sexo, miséria, bebedeiras, prostituição, drogas e aversão ao trabalho são os temas tratados nessas histórias. Para quem não conhece nada sobre o escritor, essa é uma ótima oportunidade de iniciação ao seu trabalho. Será possível ter um panorama geral da escrita. Por outro lado, para quem já o conhece, é um livro enriquecedor, bem selecionado e bem feito. Os traços são “jogados”, sem apelar para o detalhe e o capricho milimétrico, mas acredito que isso não é um problema, já que com a temática abordada, esse fato até cai bem.

Há o contato com as pessoas marginais, assim como o autor, das grandes cidades, tais como prostitutas e vagabundos. Pessoas sem muita expectativa na vida, querem só beber e se drogar. É importante ler algo sobre essa perspectiva. Ver o ponto de vista do diferente, daqueles que estão do outro lado. Como são suas vidas e pensamentos. O que fazem e o que esperam do mundo. É uma experiência antropológica. Nota 9.

Sobre Charles Bukowski
A editora L&PM expressou bem o estilo literário do escritor. Sua literatura é de caráter extremamente autobiográfico, e nela abundam temas e personagens marginais, como prostitutas, sexo, alcoolismo, ressacas, corridas de cavalos, pessoas miseráveis e experiências escatológicas. De estilo extremamente livre e imediatista, na obra de Bukowski não transparecem demasiadas preocupações estruturais. Dotado de um senso de humor ferino, auto-irônico e cáustico, ele foi comparado a Henry Miller, Louis-Ferdinand Céline e Ernest Hemingway.

Joseph Anton ou os limites da tolerância religiosa



Por Júlia Martins


No atual momento histórico, em que atiradores entraram em um edifício em Paris e fuzilaram doze colaboradores do jornal francês Charlie Hedbo, entre eles alguns dos principais cartunistas do país, motivados por questões religiosas, ler Joseph Anton do escritor indiano e britânico Salman Rushdie é muito enriquecedor.

Salman escreveu o livro Os Versos Satânicos em 1988 e, por esse livro, recebeu uma fatwa (pronunciamento sentenciando à morte) do aiatolá Komheini, pois o líder irariano o acusou de satirizar o profeta Maomé em sua obra. A partir daí a vida do escritor virou de cabeça para baixo e é neste livro, Joseph Anton, que ele detalha todos os anos de esconderijo, de ameaças, de imobilidade, pois quase todas as companhias aéreas do mundo o proibiram de voar em seus aviões, e também da tentativa de continuar a sua vida, seus trabalhos e mostrar seu ponto de vista.
 
Salman Rushdie
O livro, um calhamaço de mais de seiscentas páginas, é muito detalhista em mostrar todos os momentos em que o autor foi retratado pela mídia, como ele se sentia com as acusações e com o cárcere, ao mesmo tempo em que fala de sua vida pessoal e de sua luta para conseguir a liberdade. Em muitos momentos, o livro é um pouco cansativo, e cita muitas pessoas que não conhecemos prontamente e precisamos pesquisar. Mas ao pensar que foram treze anos entre a proclamação da fatwa e sua revogação, temos que dar um crédito para Salman, afinal, como ao próprio título do livro já diz, ele teve que passar todos esses anos escondido e sem direito ao próprio nome, sendo chamado por anos de Joseph Anton. 

Esse é um livro que vale muito a pena ser lido, pois devido aos recentes acontecimentos, a mídia está em discussão sobre os limites da liberdade de expressão. Rushdie dá seu parecer claro sobre o assunto em diversos artigos que estão transcritos no livro, e que vindos de uma pessoa que sofreu na pele todos os tormentos do terrorismo e intolerância religiosa, são uma fonte preciosa para podermos avaliar e estabelecer nosso ponto de vista, além de respondermos à pergunta: pelo que realmente vale a pena lutar?

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Teu corpo é uma estátua nua que gira no centro de minha mente



Idealização

O jornalista e amigo Geraldo Muanis lançou, em 2013, a coletânea de cem poemas Teu corpo é uma estátuas nua que gira no centro de minha mente – cujo trabalho iniciou-se em 1995 –, todos com nome de mulheres. Mulheres reais ou fictícias, próximas ou distantes, simples ou complexas, jovens ou idosas, alegres ou tristes, vivas ou mortas. Muitas foram as suas influências, desde canções do Pink Floyd até filmes de Luis Buñuel, tendo Catherine Deneuve como musa inspiradora.

Os pontos interessantes começaram na introdução, quando é reforçada a ideia de que a interpretação do poema é livre. Ninguém é obrigado a ter o mesmo pensamento do poeta, tendo em vista nosso repertório cultural diferenciado. Assimilamos aquilo que somos capazes de compreender. Reforcei esse meu entendimento particular por meio de comentários, após cada um dos poemas, registrando a experiência.

As referências são ricas. Descobri que uma notícia jornalística pode transformar-se em poesia, bem como um rosto visto no ônibus ou uma personagem caricata da cidade. Apesar da falta de familiaridade com o gênero, tirei grande proveito e vivi bons momentos imerso nas páginas idealizadoras da mulher.

A crítica fica por conta do vocabulário um pouco reduzido, marcado pelo excesso das palavras: efêmero, diáfano, esquálido, imperícias e átimo. Muitas vezes tive que recorrer ao dicionário. Também achei que poderia ser um coletânea menor para ganhar dinamismo. Nota 6.
Realismo
Você sabe a diferença entre poema e poesia?
O Livros e afins nos explica:
Poesia: “arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados.”
Poema: “obra em verso ou não, em que há poesia.”
Poesia não é a mesma coisa que poema, mas a poesia está presente no poema.

Farmácia gratuita, medicamentos etéreos

Junto a um novo ano, novos projetos. Idealizamos, cheios de motivação, aquilo que pode nos trazer um sentimento, embora momentâneo, de realização pessoal. Minha meta para 2015 foi embasada na minha estante cheia de livros não lidos. Quero circular obras paradas, ler mais e comprar menos. 

Um ótimo início para esse projeto foi inserir livros curtos, a maioria nacional e de escritores poucos conhecidos, em minha rotina. São contos, crônicas e poemas, leituras rápidas para pequenos momentos de ócio.
Falaremos de Farmácia da Alma de Luís Augusto Lé, uma produção independente de 2004. O livro é uma coletânea de textos curtos de autoajuda destinada às pessoas desiludidas, desanimadas e sem mais esperança no amor. A premissa é a da cura da alma com os remédios (textos) do autor. Há uma tentativa de despertar a motivação, o resgate interior e a permissão para uma segunda chance no amor, o qual, segundo Lé, é a chave para a felicidade. Não sei qual o real efeito nas pessoas desiludidas, mas para mim limitou-se a um texto com palavras bonitas. Sei a dificuldade de se emplacar obras no mercado nacional e valorizo a iniciativa de tornar público algo surgido do consciente individual, e isso é louvável. E ainda, parece, que o ganho financeiro não foi priorizado.

O primeiro ponto de ressalva é que o livro não foi revisado. Passaram muitos erros ortográficos, desde o uso dos porquês, passando pelas vírgulas, até o isto/isso que confundem muita gente. O vocabulário é limitado, os textos passam quase sempre a mesma mensagem, e a palavra etérea* é muito constante. No meio da leitura percebi que tudo é direcionado ao público feminino, sem motivação ou explicitação prévia disso. No decorrer, a paz com a concordância nominal não foi estabelecida.

Foi uma leitura razoável. Vale a pena sem esperar muito, afinal a intenção é a busca pela felicidade. O livro está disponível gratuitamente, junto a outros textos do autor, aqui. Nota 3.


*Segundo o Aulete: que revela pureza, delicadeza (amor etéreo)