segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Um toque de mestre



Por Júlia Martins
Sangue no Olho foi uma de minhas leituras mais recentes e compartilho, nessa postagem, um pouco das percepções dessa experiência literária. O início do livro de Lina Meruane é genial. Com uma visão fria e calculista de sua condição, a personagem principal homônima à autora (Lina) narra o princípio do fim de sua visão, um derramamento de sangue que vai aos poucos ocupando toda sua córnea, a impedindo de enxergar o mundo. Na verdade não é apenas o nome que a personagem tem em comum com a autora, elas partilham também a nacionalidade, área de trabalho e local de moradia, confundindo um pouco essa ficção com autoficção.

Aos poucos a narrativa do romance acaba esfriando, mas achei muito interessante a transformação de Lina, que como personagem central dessa trama, acaba modificando vagarosamente seu comportamento e temperamento à medida que a doença evolui. Parece que a cada instante, ela se vê mais próxima da cegueira total, perdendo um pouco da frieza e passando por situações de desequilíbrio e tormenta. 

O relacionamento estabelecido por ela com seu companheiro e seus pais também é muito interessante. Sem abordar nada diretamente, mostra certa submissão de seu namorado Ignácio e o distanciamento que ela construiu com a família. Portanto, não é um romance que fala apenas de uma doença, mas dos relacionamentos e como a doença os influencia.

Sem querer desmerecer o romance dessa super escritora, o que achei o grande charme desse livro foi a edição da Cosac, mais uma vez! O livro, ao decorrer das páginas, vai se tornando mais escuro, diminuindo o contraste entre letra e fundo, o que dificulta a leitura. Isso nos aproxima um pouco da condição da personagem da própria história, como se estivéssemos também experimentando uma diminuição da capacidade de visão. Toque de mestre.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Animais de estimação mudam vidas




O'Hurley, Betty e Scochi (branco) (Foto: animalfair.com)
Tudo bem não alcançar a cama no primeiro salto, do ator americano John O'Hurley, é um livro sobre as lições aprendidas pelo autor com seus cães de estimação. As crônicas vêm comprovar a premissa sobre o melhor amigo do homem, o qual está disposto a ouvir, ser companheiro e tentar alegrar em qualquer circunstância. Desde criança, O'Hurley sempre teve uma ligação muito forte com os cães e, por isso, pôde reunir seu aprendizado em um livro.

Manter a alegria e o sorriso (os cães sorriem balançando o rabo), saber a hora de seguir em frente, não importar com o seu tamanho frente às adversidades são algumas dessas lições, transpostas do mundo canino para a humanidade, as quais, segundo o autor, o ajudaram a se tornar uma pessoa melhor.


Foi divertido acompanhar a relação estreita entre homem e cão, capaz de surpreender. Os personagens reais ao longo das histórias – como Taffy, Betty, Scoshi –, são exemplos do sucesso da relação transformadora com animais de estimação. Quem tem algum (eu tenho uma vira-lata, Madonna, e dois porquinhos-da-índia, Inca e Asteca) sabe o quanto são especiais e como podemos aprender com eles, mais até do que com a humanidade.


Apesar de interessante, achei o livro superficial e não muito empolgante. É fácil e rápido de ler, mas não marca nossa vida. Nota 7.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

A bíblia da juventude transviada!



Por Júlia Martins

Viva a Música! não é um livro fácil de falar sobre, pois são vários os sentimentos e percepções proporcionados ao longo da leitura. O primeiro pensamento que tive foi de que estava lendo tudo aquilo que esperava do Apanhador no Campo de Centeio e que não havia se concretizado na obra do escritor estadunidense. Ou seja: sexo, drogas e rock ‘n roll - mas nesse caso salsa e outros ritmos latinos.

O problema é que o livro extrapola esses temas e, aos poucos, vai se tornando bem pesado. A história se passa na cidade de Cali, revelando as memórias de uma menina de classe média chamada María. Tudo começa quando essa menina se envereda para as noitadas da cidade, famosa pela vida noturna, e acaba se apaixonando por esse estilo de vida e, mais profundamente, pelos ritmos que estão permeados em toda a obra. Inclusive, uma dica que dou é procurar algumas das músicas que são citadas pela própria personagem ao final do livro para ter uma experiência mais próxima do universo criado pelo colombiano Andrés Caicedo.

O ambiente alegre e nebuloso das festas regadas a drogas e bebidas aos poucos começa a dar lugar a cenas de sexo grupal, assassinatos, suicídios, assaltos etc. O que mais me marcou foi uma cena de espancamento e tortura no final do livro que é daquele tipo de cena que temos dificuldade de esquecer. E olha que nem vi realmente a cena, apenas a imaginei.
Andrés Caicedo (Foto: lalatina.com.br)
Apesar de tudo que falei acima, eu acho que o livro é muito interessante, até porque esses temas são parte da natureza humana e devem ser tratados também em obras literárias. O final da história é uma ode a esse estilo de vida desregrado, onde a busca pelas experiências mais estremas é o que importa na vida de uma pessoa. O recado de Caicedo, em minha opinião, é que não vale a pena viver se não for para tirar o máximo da vida o tempo inteiro, portanto, a partir do momento que não conseguimos mais curtir com toda a intensidade, seja por falta de saúde, interesse ou condição financeira, não vale mais a pena viver. Foi exatamente isso que o autor fez, após concluir essa obra e receber seu primeiro exemplar editado, Andrés se suicidou.

Fazendo um contraponto extremo ao seu conterrâneo Gabriel García Márquez e o realismo mágico, esse escritor colombiano bem menos conhecido pelo público apresenta uma narrativa realista e cruel. Passa seu recado e entra para a história, deixando latentes os grandes problemas da juventude de sua época que persistem nos dias atuais e que são muito similares à realidade brasileira e de toda a América Latina. Me impressiona que não tenha se tornado um livro fundamental das juventudes perdidas desde então.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Um livro menos conhecido de Dostoiévski: O Duplo



Por Júlia Martins 

Toda vez que leio uma obra de Fiódor Dostoiévski penso a mesma coisa do que quando viajo para um lugar muito bonito: por que não fiz isso antes?! Tenho que me esforçar para fazer mais! Apesar de seu nome intimidador, a leitura desse grande, senão o maior, escritor russo é muito clara e de fácil acesso.

O Duplo conta a história de um funcionário público que após passar por situações muito vexatórias em seu meio social e profissional, passar a conviver com seu duplo, uma pessoa igual a ele em aparência física, de mesmo nome e trabalhando no mesmo local. A princípio, se você não ler a orelha e essa resenha, esse outro parece entrar na história de forma natural e verossímil, uma grande coincidência. Apenas com o caminhar da narrativa podemos entender mais concretamente que esse personagem gêmeo nada mais é do que uma visão do herói dessa história.

O que mais me chamou a atenção é como, por se tratar de uma invenção da mente de uma pessoa perturbada, tudo faz muito sentido para essa pessoa. Ninguém que está enlouquecendo percebe isso, e é esse detalhe que torna esse livro tão incrível.
Ilustração Dostoévski (Fonte: jordanrussiacenter.org)
Outro aspecto interessante é como o duplo faz o papel de um vilão que surge para destruir a reputação, fazer zombarias e enganar o personagem principal. Parece-me uma forma de auto-sabotagem ou autodestruição a partir de seus próprios devaneios. Vários críticos e estudiosos dizem que Dostoiévski foi muito importante para o desenvolvimento de estudos psicológicos relevantes, sendo esse livro um grande exemplo disso.

Caso você não tenha lido nenhuma obra desse mestre, não perca tempo e não deixe o receio de ser uma leitura maçante te impedir de ter uma experiência maravilhosa, eu garanto. Ah, menção especial para as ilustrações lindas da edição da Editora 34 para esse livro, ficou uma joia!